coletando a literatura-jóia da capital. "a cultura pop nos ensina a viver".

Arquivo Cleiton Shelley pt. 3 - Fase "Shelley", de fato

Nessa parte do dossiê postaremos as produções mais recentes do jornalista recifense, que deixou o Brito pra lá e auto-renomeou-se de Shelley. O post vai incluir dois textos selecionados de Cleiton como colaborador do Meu JC e um de seu novo blog.

O recifearchives tem o prazer de postar antes dos textos, integralmente, uma das pérolas de todo o nosso arquivo: perguntado por uma amiga do site sobre os motivos da troca do sobrenome, Cleiton respondeu com um scrap bastante elucidativo:

"Então. "Shelley" é o pseudônimo de "Santos", tirado de "Shelley Winters", nome artístico de Shirley Schrift (East St. Louis, 18 de agosto de 1920 — Beverly Hills, 14 de janeiro de 2006), uma atriz estado-unidense. Tinha reputação de ser uma mulher provocativa, de falar sempre o que pensava e de ter uma opinião política sempre muito forte. "Shelley" foi tirado também de "Shelley Duvall", um dos atores que dramatizou seis filmes que eu pago o maior pau, e eles são: Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Woody Allen), Nashville (Robert Altman), O Iluminado (Stanley Kubrick), Jogos e Trapaças - Quando os Homens São Homens (Robert Altman), Três Mulheres (Robert Altman) e Renegados Até a Última Rajada (Robert Altman). Shelley, entretanto, agora passa a ser o meu sobrenome, aonde me identifico sempre que publico alguma coisa, ou simplesmente, sempre que exponho o meu trabalho como jornalista. É isso!"

Cleiton Brito Shelley, 13/04/08

1. 04/05/08 - "Sobre Liverpool ter sido eleita a Capital Européia da Cultura" texto aqui

Antes de dizer que Liverpool é uma cidade britânica famosíssima por ter sido o berço musical dos Beatles, apresso-me em dizer que ela tem muito mais a expor do que isto. Basta observar sua beleza arquitetônica, sua arte e cultura para saber que o que estou dizendo tem respaldo. Sim, hoje Liverpool é a Capital Européia da Cultura.
Claro que quando se fala em liverpool, a primeira coisa que me surge à cabeça é o quarteto que cativou o mundo inteiro no decorrer dos anos 1960. Não há contradições, a superioridade internacional da cidade colocou os Beatles em um patamar grandioso na história mundial, essescialmente naquela época.
É tudo fruto da sua localização favorável e ao porto: Liverpool tem presenciado de perto a história da Europa, uma vez que a sua mina de ouro cultural é parte das trocas comerciais e sociais que nasceram por lá. Esta mina de ouro a qual me refiro é vista por ambos os lados, começa pela arquitetura e acaba no dia a dia da população.
Acredito que esse foi o principal motivo para que Liverpool, não Londres, Manchester ou Oxford, fosse tachada de "Capital Européia da Cultura". É o que podemos chamar de reconhecimento a um local que ressalta a fortuna, a diversidade e os caracteres precisos que fazem refletir a UE (União Européia).

P.S. A escolha de Liverpool levou milhares de pessoas ao George's Hall.

2. 07/04/08 - Jules et Jim: da série Filmes densos, que ajudam a pensar texto aqui


Esta coluna faz parte de uma série de filmes que fizeram ou ainda vão fazer história. Quem é cinéfilo (ou não) com certeza já viu ou vai ver algum deles. Quem sabe numa sessão especial do Cinema da Fundação ou freqüentando a Classic Vídeo assiduamente, como este repórter que assina esta matéria.

Talvez você tenha ficado em casa num domingo à noite, sentado em sua poltrona amiga, na frente da TV, para conferir o Cine Band Clássicos, ou tenha televisão a cabo. Talvez você simplesmente assista às grandes produções do cinema hollywoodiano, que encontra facilmente na locadora mais próxima de sua casa ou num Multiplex da vida.

Enfim, na série "Filmes densos, que ajudam a pensar", você terá razão e sensibilidade expostas através da sétima arte - e de fato o primeiro filme que eu vou abordar será um que tem muita relevância na minha trajetória e na de muita gente, e esse não é outro senão Jules et Jim, de François Truffaut, 1962. Afinal, todo cinéfilo tem um clássico em sua vida, o meu é esse.

Assisti a Jules et Jim pela primeira vez quando tinha oito anos de idade, não compreendi a história, mas revi muitas vezes ao longo da vida. Amo tudo no filme, inclusive a paixão de Truffaut pela literatura, que o seu infinito amor pelo cinema supera. Desse amor, quero dizer, desse duplo amor, surgiu uma maneira muito peculiar de se fazer cinema, o que deu reconhecimento e respeito ao jovem autor francês. E entre todas as referências de "cinelivros" criados por Truffaut, Jules et Jim é sem dúvida o maior exemplo de todos.

O filme não apenas explora um preeminente menage a trois no início daquela época, como é, entretanto, um filme que fala de dúvidas em torno da existência de cada um, em um momento - o afamado pós-guerra e a Belle Époque - em que essa temática estava presente até nos jantares e cafés. Jules et Jim não é somente um filme. É também um livro. E Truffaut seguiu-o à risca. A narração em off - desde o primeiro ao último instante de película - prova que Truffaut foi o cineasta mais fiel à literatura enquanto fez cinema. Detalhe: é neste rolo onde cinema e literatura se cruzam que o filme flui lindamente, da forma mais cativante e natural possível.

E quando criança, fiquei fascinado com esse rolo. Tudo em nome do amor e da amizade. É isso! O filme é sobre as duas coisas, ou melhor, mostra como o amor e a amizade deveriam ser. Mas o ponto essencial de Jules et Jim é essa dinâmica de casar duas linguagens que, mesmo sendo opostas, sempre viveram juntas desde que o cinema de ficção nasceu, na primeira década do século XX. Sem incomodar, sem se ofuscar com ligações exarcebadas com a literatura, e, apesar dos pesares, sem nos deixar esquecermos de que o que estamos a ver é na realidade um filme. Truffaut realizou um trabalho impecável, honesto. Em outras palavras, com rasgos de imaginação, daqueles que se assemelham demais com a realidade.

Outro ponto a destacar é a trilha sonora composta por George Deleure, um dos compositores de renome na história do cinema e alguém que cabe ser citado na lista dos autores da Nouvelle Vague. A pauta sonora enriquece o dramatismo da narrativa em off, porém, trabalha ainda mais - ou pelo menos ajuda a trabalhar - o universo cinematográfico de Jules et Jim. O sucesso monstruoso de Jeanne Moreau, Henri Serre e Oskar Werner, um dos atores mais requisitados do cinema europeu, não é um mero sucesso de atores, produto de um filme, mas sem discussões desnecessárias, uma mostra viva e de um alto calibre literário das personagens do livro que deu origem ao filme.

Jules et Jim veio para se diferenciar de Les Quatrecents Coups e Tirez sur Le Pianist, o que signifaca dizer que ele é mais humano, mais chocante, mais pensante e, acima de tudo, revolucionário. É o filme que veio para provar que o cinema realmente nunca mais seria o mesmo. Posso dizer que é a resposta de Truffaut a Godard e ao seu A Bout de Soufle, assim como Smile foi a resposta dos Beach Boys ao Sargent Peppers dos Beatles. Ok, ficar comparando a música e o cinema é bem perigoso, mas neste caso é de bom tamanho, já que, na sede de achar novas linguagens, novos rumos, novas fontes para beber, os autores de irreverência podem visar à mesma mina de ouro por diferentes caminhos.

Truffaut escolheu ali qual estrada queria seguir. Um caminho mais "classudo", mais ousado, mas sempre amarrado ao cinema de classe que amou com afinco, até o final de sua ilustre vida.

3. 29/04/08 - Vanilla Sky: da série Filmes densos, que ajudam a pensar texto aqui

Em meados de 1997, assisti ao filme espanhol Abre los Ojos, de Alejandro Amenábar. Lembro que quando saí do cinema não conseguia parar de pensar nele. Era como uma música folk: ora ficção, ora poesia. Quatro anos mais tarde, no inverno de 2001 para ser mais exato, fui ao cinema ver um outro filme que estaria estreando em todo território nacional, sim, um que mexeria demais comigo: Vanilla Sky, um remake de Abre los Ojos, feito pelo cineasta Cameron Crowe. Saí do cinema muito deslumbrado com tudo o que vira.

A cena inicial era marcante: a câmera sobrevoando a cidade de Nova Iorque, em uma espécie de plano aéreo. Tudo bem! Todo mundo filma planos gigantes e romantizam NY, mas John Tool, o diretor de fotografia, e Cameron Crowe, queriam passar a sensação de serem entidades sobrenaturais ou imaginárias pousando no planeta Terra. É isso, a história começa assim, com a câmera aproximando-se do Dakota, o lugar perfeito para descrever o mundo de David Aames, a personagem de Tom Cruise. E a primeira coisa que escutamos antes de Everything In Its Right Place, do Radiohead, é Sofia Serrano, a personagem de Penélope Cruz, sussurrar: "abre los ojos" - o que faz jus ao filme original, de Alejandro Amenábar.

Abre los Ojos e Vanilla Sky flertam bem de perto, passeiam de mãos dadas. Só que, ao contrário de Alejandro, Cameron quis criar um filme cheio de marcos e pistas, como a capa de Sargent Peppers dos Beatles. A cena com Andrey Hepburn em Sabrina, por exemplo, dá um toque agradável e belo ao filme. Dá a entender que foi um sonho de amor que David Aames estava tentando viver naquele instante. Observamos um pôster do álbum The Freewheelin' Bob Dylan e, quando menos esperamos, vemos também o mundo de David. O cabelo grisalho dele simboliza a vontade de não morrer jamais, parar ali, viver eternamente.

Grande parte do elenco fez Almost Famous (2000, também de Cameron Crowe). Cameron e John fizeram um filme atrás do outro e não poderiam ser mais opostos. A imagem era a mina da vez, essencialmente no começo quando a equipe evacuou a Times Square em uma bela manhã de novembro, deixando o espectador pensar que as personagens estavão no outono, quase inverno. Vanilla Sky retrata o pesadelo de alguém que tenta retomar o tempo perdido de uma só vez. E um dos pontos mais importantes do filme foi a relação entre Kurt Russel e Tom, dois atores que sempre almejaram contracenar. E conseguiram. Na primeira cena em que os dois contracenam, To Kill a Mockingbird (Robert Mulligan, 1962) passa na TV. É a primeira suspeita de que entramos no pensamento de uma pessoa e que tudo é válido.

[...]

É lindo ver Penélope abraçando Tom de uma maneira que ninguém jamais abraçou o namorado. Aquilo, para mim e acredito que bem mais para o diretor, é amor. É o tipo de coisa que não esquecemos depois de transarmos. Isso e o que falamos. Não esquecemos dos detalhes e da forma que ela abraça. É amizade. Amizade e amor.

[...]

A cultura pop nos ensina a viver.

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Vanilla Sky não é mais do mesmo. Você precisa se prender ao filme. Mas é, sobretudo, um filme que temos que deixar largado por aí. É uma lenda. Um meio termo. Um pesadelo romântico. Um sonho cheio de lucidez. Uma música folk bem psicodélica. Um filme para se discutir numa mesa de bar ou num café. Vanilla Sky cativa as pessoas. É só marcar um encontro, e ele não te dará um bolo.

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